Com a conversão do imperador Constantino e a consequente
aceitação do cristianismo como religião oficial do Império Romano, aumentou a
busca por sítios e objetos ligados ao Messias. Consta que no século IV, Helena,
mãe de Constantino, peregrinou por Jerusalém e empenhou-se em descobrir locais
e artefatos relacionados com a paixão de Cristo. A historiadora francesa Régine
Pernoud diz que dentre as descobertas feitas por Helena estava o que se
acreditou ser o túmulo no qual, segundo a crença, Jesus permaneceu sepultado
por três dias; nesse lugar foi construído um templo que recebeu o nome de
Igreja do Santo Sepulcro, que logo se tornou o principal ponto de peregrinação
para os seguidores de Cristo.
Por essa época, conforme explica o historiador francês Paul
Veyne, de 70 milhões de habitantes que compunham o Império Romano, apenas cinco
ou dez por cento professavam a fé cristã. Livre das perseguições, essa
quantidade passou a crescer gradativamente. À medida que o cristianismo se
expandia pela Europa, aumentava o número de fiéis que saíam do Velho Continente
para conhecer a Terra Santa. De acordo com Paul Alphandery e Alphonse Dupront,
essas jornadas haviam sido instituídas de tal forma que se criara uma estrutura
composta por centenas de estabelecimentos para abrigar e atender os peregrinos
em Jerusalém e proximidades. Por volta do final do primeiro milênio da era
cristã, Raul Glaber, um cronista da época, descreveu a heterogeneidade dos
indivíduos que se faziam presentes nas peregrinações:
“Primeiramente foram as pessoas das
classes inferiores, depois as do povo médio, depois todos os maiores reis, condes,
marqueses, prelados; enfim, o que nunca havia acontecido, muitas mulheres, as
mais nobres com as mais pobres, dirigiam-se ali. A maior parte tinha o desejo
de morrer antes de voltar ao seu país”
Cabe ressaltar que não era apenas a piedade que motivava o
indivíduo a percorrer tão longo caminho. Conforme explicou o historiador Jônatas
Batista Neto, “a Igreja estimulou criminosos e pecadores de todo tipo a
buscarem o perdão de Deus na Terra Santa”, ou seja, as peregrinações para
Jerusalém serviam também como forma de punição, tanto temporal quanto
espiritual, para crimes e pecados cometidos. No século XI as peregrinações já
estavam solidamente instituídas na Europa e uma interrupção, ou mesmo a
dificultação, do acesso aos lugares considerados sagrados poderia acarretar
reações por parte da cristandade.
Desde o século VII, quando os muçulmanos conquistaram
Jerusalém, a entrada dos cristãos na referida cidade nunca fora proibida, porém
esse panorama mudou com a ascensão da dinastia seljúcida. O caminho para
Jerusalém se tornara inóspito para os peregrinos. Além das hostilidades
enfrentadas no trajeto, a chegada em Jerusalém apresentava a esses viajantes um
outro motivo para insatisfação: a cobrança de um imposto para entrar na cidade.
Muitos desses peregrinos não tinham como pagar o tributo, pois já haviam
perdido no caminho o que levavam consigo; muitos voltavam para casa — quando
conseguiam voltar, sem cumprir a meta de chegar até o Santo Sepulcro;
descreviam, então, os infortúnios aos quais haviam sido submetidos. Verdadeiros
ou fantasiosos, tais relatos foram usados, segundo o historiador francês Jean
Flori, para propagandear a necessidade de uma resposta cristã.
O fator Jerusalém foi, pois,
decisivo para o êxito do projeto de Urbano II; uma simples menção do nome da
Cidade Santa, diz o historiador alemão Hans Eberhard Mayer, gerava reações
psicológicas e escatológicas, como se houvesse uma aura mágica ao redor daquele
local. De acordo com o sociólogo alemão Norbert Elias, o apreço que os cristãos
ocidentais tinham pela Terra Santa fomentou uma espécie de pressão social por
sua reconquista. Independente do motivo que levou o indivíduo a tomar a cruz, a
cruzada apenas aconteceu, com efeito, por causa da estima que os cristãos nutriam
por Jerusalém.
Referências:
A
mulher no tempo das cruzadas. (Regine Pernoud)
Guerra
Santa: Formação da ideia de cruzada no Ocidente cristão (Jean Flori)
História
da Baixa Idade Média: 1066-1453 (Jônatas Batista Neto)
História
da Idade Média: textos e testemunhas (Maria Guadalupe Pedrero-Sánchez)
Historia
de las cruzadas (Hans Eberhard Mayer)
La
cristandade y el concepto de cruzada (Paul Alphandéry y Paul Dupront)
O
processo civilizador, vol. 2: formação do Estado e civilização (Norbert Elias)
Quando nosso mundo se tornou cristão (Paul Veyne)
Imagem disponível em: http://knowledge.wharton.upenn.edu/article/u-s-move-jerusalem-will-limited-economic-impact/