Histórias das Cruzadas

domingo, 24 de março de 2019

O Concílio de Clermont

Em novembro de 1095 o então Papa Urbano II realizou um sínodo em Clermont-Ferrand, na França. Esse encontro ecumênico tratou, dentre outros assuntos, da excomunhão do rei francês, Felipe I, por adultério; de questões referentes à Trégua de Deus e da exortação à Primeira Cruzada. O referido evento ficou conhecido na história como o Concílio de Clermont, e pode ser considerado o ponto de partida da Primeira Cruzada.
Diversas demandas acerca do projeto da Cruzada foram deliberadas na conferência, como o período em que os cruzados deixariam a Europa em direção à Palestina, quem deveria ir, como se arcaria com os custos e, principalmente, as indulgências concedidas aos participantes da expedição. No Concílio de Clermont, o Papa convenceu o público presente que a população cristã do Oriente sofria ante a opressão imposta pelos muçulmanos e que uma reação ocidental era necessária e iminente. Constantinopla e, principalmente, Jerusalém deveriam ser socorridas.
Vários cronistas medievais transcreveram o discurso de Urbano II; alguns afirmam que presenciaram a assembleia, outros com base em testemunhas que lá estiveram. Todos esses escreveram suas crônicas alguns anos, ou mesmo décadas, após o Concílio; é, portanto, inverossímil imaginar que os textos são fidedignos ao sermão papal. Observamos duas crônicas que descrevem o discurso de Urbano, uma de autoria de Fulcher de Chartres, que fez parte do séquito de Baldwin na Primeira Cruzada, e, ao que parece, esteve presente em Clermont; outra composta por Guilherme de Tiro, que escrevera sua obra com base na tradição oral dos participantes da Primeira Cruzada. Ambos os documentos convergem em diversos aspectos.
A tônica do discurso de Urbano II foi expor para o público o sofrimento pelo qual os cristãos do Oriente estavam expostos diante dos opressores muçulmanos e invocar os cristãos do ocidente para que fossem em socorro de seus irmãos; para isso deveriam deixar de lado suas querelas pessoais e unirem-se nesse objetivo. As armas que antes empunhavam uns contra os outros deveriam ser empregadas contra um inimigo em comum. Fez uso de passagens bíblicas para ressaltar a importância de Jerusalém para a cristandade e mencionou a degradação na qual a cidade havia sido submetida. Por fim, enfatizou que o indivíduo que aderisse àquela empresa estaria praticando uma verdadeira obra de caridade e, como prêmio, receberia a indulgência plena: a remissão de todas as culpas. Não importava o pecado praticado ou crime cometido, o perdão estava garantido. O céu fora prometido.
Do ponto de vista de atrair adeptos, a assembleia foi um sucesso. Consta que imediatamente o público presente, aos gritos de Deus Vult!, Deus Vult!, tomou para si a causa. Fizeram cruzes com pedaços de tecidos e as coseram sobre as próprias vestes; demonstrava-se, dessa forma, a adesão àquela campanha. Através de cartas o Papa clamava o auxílio dos nobres que não estiveram em Clermont-Ferrand. Estabeleceu-se a trégua de Deus para que nenhum atrito detivesse os preparativos da Cruzada. Ficou decidido que a marcha se iniciaria em agosto do ano seguinte, imediatamente após as colheitas.
Observa-se, pois, que o desejo coletivo em aderir à peregrinação sobressaía à própria mensagem acerca da empreitada. Não foi necessário estar no Concílio de Clermont para que aqueles indivíduos fossem convencidos de ir para a Cruzada. O discurso proferido pelo Papa surtiu efeito não apenas com o público presente ao evento, uma grande leva de cristãos aderiu ao projeto assim que souberam dos planos de Urbano II. Ademais, pregadores populares, como Pedro, o Eremita, causaram com seus sermões a mesma comoção originada pelo Papa. Um discurso só causa o resultado desejado se a comunidade assim quiser. A prédica papal, de fato, foi ao encontro dos anseios de variados grupos.




Referências:
Jean Flori. Guerra Santa: Formação da ideia de cruzada no Ocidente cristão.
Roger Chartier. A história cultural: entre práticas e representações.
Maria Guadalupe Pedrero-Sanches. História da Idade Média: Textos e Testemunhas.
Guilherme de Tiro. Historias de Ultramar.
Steven Runciman. História das Cruzadas, Vol.I.

Imagem:
Prédica de Urbano II em Clermond. Extraída do “Livre des passages d'Outre-mer“ (1490). Conservado na Biblioteca Nacional da França.

Nenhum comentário:

Postar um comentário