Sim, Balian de Ibelin existiu; fez parte de uma geração que nascera no Outremer descendendo dos primeiros cruzados que partiram da Europa para reconquistar Jerusalém. Fora casado com Maria Conmeno, viúva do rei Amauri.
Balian estava adaptado aos costumes locais, tinha boas relações com os árabes, com quem realizava transações comerciais. Mantinha posição favorável a manutenção de acordos de paz com os muçulmanos, diferentemente dos cristãos recém chegados da Europa, que propunham ofensivas militares contra os maometanos.
Quando o então rei, Guy de Lousignan, propôs que as tropas cristãs fossem ao encontro de um numeroso exército muçulmano, Balian foi um dos que se opuseram, alegando que as condições eram demasiadamente adversas e que o mais prudente seria concentrar esforços na defesa da Cidade Santa. Seguindo orientações, principalmente, de Reinaldo de Chantillon e Gerardo de Ridefort, o monarca ignorou a proposta de Balian de Ibelin. As hostes cristãs marchariam para a morte. Fatigado pela longa caminhada sob sol escaldante, faminto e sedento, o exército cruzado se tornou presa fácil e foi dizimado. Balian conseguiu sobreviver ao massacre e refugiou-se na cidade de Tiro.
O caminho estava aberto para Saladino tomar Jerusalém, a cidade perdera quase que a totalidade de seus defensores na desastrosa campanha de Hattin, com a falta de cavaleiros o patriarca Heráclio é quem organizava a defesa. A queda era questão de tempo.
Sabendo que Saladino marchava para Jerusalém, Balian pedira permissão ao próprio sultão para que pudesse entrar na cidade e salvar sua esposa e filhos, Saladino consentiu, com a condição de que o Barão não pegasse em armas, imposição essa que foi aceita prontamente.
Ao entrar na cidade, Balian ouviu súplicas do povo para que ficasse e liderasse a resistência, o Barão de Ibelin atendeu aos apelos e decidiu ficar; entretanto, havia a promessa feita ao líder islâmico. O nobre Balian enviou uma carta a Saladino, pedindo que o sultão o liberasse do juramento de não lutar contra os muçulmanos; Saladino, então, liberou Balian de seu voto e ainda deu salvo-conduto para que sua família deixasse Jerusalém em segurança. Esse gesto sempre é lembrado, com louvor, tanto por cronistas árabes como pelos cristãos.
Com poucos cavaleiros à sua disposição Balian fez o que pode para defender a cidade, mas diante da disparidade numérica, o desfecho que os sitiados poderiam esperar seria uma morte pouco dolorosa ou, quem sabe, algum tratado que poupasse suas vidas.
Balian de Ibelin tentou alguns acordos para a rendição, que prontamente eram refutados. A intenção de Saladino era tomar a cidade à força, sem misericórdia, assim como fizeram os cruzados, comandados por Godofredo, Raimundo, Tancredo, Roberto de Flandres e Roberto da Normandia, dentre outros, em 1099.
Observando a intransigência do sultão, Balian fez um ultimato intimidador a Saladino: ou se chegaria a um termo de rendição ou os sitiados venderiam caro a derrota. Balian de Ibelin ameaçou destruir os locais sagrados para o islã em Jerusalém, a começar pelo Domo da Rocha; advertiu que os milhares de muçulmanos que ainda se encontravam na cidade seriam mortos e o que sobraria para os maometanos seriam apenas as ruínas da Cidade Santa. Saladino cedeu e um acordo foi selado, poupando milhares de vidas. Pelo tratado, Jerusalém seria entregue ao sultão e os cristãos poderiam deixar a cidade mediante ao pagamento de um resgate; os que não tinham recursos, se tornariam escravos.
Nem todos possuíam meios para pagar pela própria liberdade. Balian e o patriarca Heráclio começaram a arrecadar fundos para saldar o resgate do maior número possível de pessoas. Várias coletas eram realizadas pela cidade, recorreu-se também a uma enorme quantia pertencente aos Hospitalários, dinheiro esse proveniente das doações de Henrique II, como penitência pelo assassinato de Thomas Becket. O Barão de Ibelin utilizou-se de seus próprios bens para pagar o resgate de inúmeros cristãos. Balian e Heráclio se ofereceram como reféns para que mais pessoas pudessem ser libertadas, proposta essa não aceita por Saladino.
Estima-se que aproximadamente 20 mil cristãos conseguiram deixar Jerusalém.
Vemos que o Barão Ibelin teve atitudes tão nobres quanto as do Sultão do Egito e Síria, porém na história, que costuma exaltar apenas os vencedores, Balian é mencionado quase sempre como um coadjuvante na biografia de Saladino.
Acredita-se que Balian tenha continuado sua vida na Terra Santa, onde teria falecido em 1193, com aproximadamente cinquenta anos de idade.
Referências:
MONTEFIORE, Simon Sebag. Jerusalém: A biografia. Tradução de Berilo Vargas e George Schlesinger. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p. 321-323.
RESTON JR, James. Guerreiros de Deus: Ricardo Coração de Leão e Saladino na Terceira Cruzada. Tradução de Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Imago, 2002. p. 93-95.
RUNCIMAN, Steven. História das Cruzadas, Vol II: O Reino de Jerusalém e o Oriente Franco. Tradução de Cristiana de Assis Serra. Rio de Janeiro: Imago, 2002. p. 397-4002.
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